domingo, 27 de novembro de 2011

Os outros ou ensaio para contar estória



Um dia destes, no Metro, enquanto imaginava uma composição de recortes de imagens, entraram duas passageiras que associei a pinceladas de vermelho num prado verde, tal eram distintas dos que normalmente viajam nestas carruagens! Indiferentes aos "populares" sentaram-se em frente a mim e pude observá-las com algum detalhe. As imagens que tentei semanas depois reproduzir dão apenas uma pálida ideia da impressão que me causaram! Eram duas mulheres que aparentavam ter, uma 70 anos e outra talvez 20 e apesar de diferentes na idade tinham ambas uma forma excêntrica de trajar. Cuidadosamente vestidas e penteadas com longas unhas, ostentavam pulseiras aneis e colares bastante vistosos e divertida e assombrada, detive-me a admirar o piercing que a mais nova trazia no cimo da orelha, uma orelha com uma forma pouco comum! Orelha de rica, pensei! Só alguém rico tem uma orelha com uma forma em cornucópia como aquela! O cabelo apanhado no rabo de cavalo que começava no início da cabeça, exibia-a orgulhosamente! Subitamente, o comboio passa na Bela Vista e o sol entrou bruscamente. Incomodada a jovem tapa os olhos com a mão e o anel de brilhantes (seriam verdadeiros?) brilhou! Enquanto a mais velha a única que falava parecendo divertida, a mais nova mantinha um ar sorumbático e altivo sorrindo levemente apenas quando a outra lhe fez uma observação que apanhei como esta gostar de sapatos. Sapatos! Sapatos que a mais velha já tinha comprado, que queria comprar, opiniões sobre sapatos, saltos, etc.. Continuando esta inspecção visual obviamente através do reflexo que ambas produziam no vidro da janela do Metro, tentei imaginar como seria o mundo visto através daqueles olhos cuidadosamente pintados. Elas mostravam-se indiferentes aos outros passageiros e assemelhavam-se a atrizes vestidas para interpretar um papel e parecia evidente que não havia mais nada para conhecer senão o que exibiam. Estranhamente os outros passageiros pareciam não reparar nelas concentrados olhando o seu corredor de vida, o seu ninho interior, digirindo-se para os seus destinos, sós! Deambulando nestes pensamentos chegou então o meu destino e saí, só!

domingo, 6 de novembro de 2011

A minha avó

Hoje vou visitar a minha avó. Tenho como missão, dar-lhe o almoço, uma sopa! Esta avó de 95 anos apenas quer uma sopa. Não tem fome, quase não tem memória. Quando a vou ver, sinto sempre ternura e expectativa. Cada vez que penso nela, as memórias de uma infância feliz a seu lado, surgem espontaneamente. Lembro-me sempre dela presente, das histórias que até há pouco tempo contava, da sua juventude, uma jovem alegre e travessa que chegava a casa do trabalho de costureira a cantarolar. A sua ida para África após o casamento, a solidão do mato que quase lhe fez perder o sentido, os 4 filhos que teve e os que criou com dificuldade nessa bela e dura terra. E sempre a costurar! Desde as roupas para a boneca de pano com que brincava, até às que costurava para as netas que adorava! E que agora não reconhece. Não se lembra do nome. Avó quem sou eu? - Tu!? Não sei! E de olhar ausente, sorri constrangida. Um sorriso que se mantèm! Dizem que os "velhos" não sorriem mas a minha avó sorri bastante, como uma criança travessa! E quando nos vê, aos netos, o seu sorriso abre-se de reconhecimento e eu sei, ela lembra-se!